quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Pós-modernidade: o pastiche, o plural e a crítica à arte contemporânea


Texto inédito

Quando falamos sobre arte contemporânea, percebemos que quase impossível falar desta sem citar a questão tanto da ideia de pluralismo e diversidade, quanto da noção de pastiche. Essa sensação de uma tentativa de retomada acrítica da história, vista através de movimentos como a transvanguarda e o neo-expressionismo1, por exemplo, será sentida por vários autores que discutem o pós-modernismo artístico e a pós-modernidade. E, creio, será a relação aproximada entre a arte contemporânea e a pós-modernidade – e, junto com ela, as noções de fim da história, de morte da crítica, de fim da hierarquia, entre outras -, que provocará grande parte dos questionamentos contra esta.

Alguns teóricos da pós-modernidade como Fredric Jameson (pelo menos em seus escritos de fins dos anos 1980 e década de 1990) acreditam que a possibilidade crítica no período pós-moderno da arte está prejudicada. Primeiro porque, para ele, a conjuntura pós-moderna (de uma maneira geral) é marcada por uma desdiferenciação de campos, o que fez com que a economia acabasse coincidindo com a cultura e que a cultura se tornasse profundamente econômica. Nesse contexto, a produção de mercadoria e a especulação financeira se tornam culturais e a cultura se torna produtora de mercadoria e abriga, em seu interior, a especulação financeira também.

Sendo assim, a arte no pós-modernismo, além de haver distanciado-se de sua busca filosófica pelo absoluto (recusa do sublime), agora também se deixou abrir novamente para o Belo, ou seja, como fonte de prazer e satisfação. A consequência disso é que, para este autor, um dos aspectos ou práticas mais significativos da pós-modernidade é o pastiche. Tanto o pastiche quanto a paródia implicam a imitação, a mímica de outros estilos, particularmente de maneirismos e conotações estilísticas de outros estilos. Porém, o pastiche não possui referencial. O pastiche é uma paródia vazia. Em suas palavras:
(o pastiche) é a imitação de um estilo peculiar ou único, a fala numa língua morta, mas é uma prática neutra dessa mímica, sem a motivação ulterior da paródia, sem o riso, sem aquele sentimento ainda latente de que existe algo normal comparado ao qual aquilo que se está imitando é cômico. O pastiche é a paródia vazia. O pastiche é a prática da imitação que perdeu o referencial de normalidade, ou seja, de padrão universal que indicava o que era o considerado normal e o que, fora disso, seria excêntrico. Multiplicidades de estilos e idiomas do pós-modernismo retiram essa noção de padrão, tornando a paródia impossível e só permitindo o pastiche. (Jameson, 1990: 28/29)

Sendo assim, a arte pós-moderna, dada ao pastiche que é, torna-se um mero repetir de estilos já criados pelo modernismo. Porém, esse pastiche tem um agravante: não possui a motivação crítica e ruptora do modernismo. Seguindo o raciocínio de Bürguer, Jameson não vê a possibilidade crítica de uma arte dada à imitação, nascida no capitalismo tardio, multinacional ou de consumo. Nesse ambiente, as imagens, os signos, tudo parece dado a uma apreciação estética imediatista e presentista, sem nenhum projeto crítico amplo que o dê suporte e sentido. Olhando para o modernismo, Jameson vê como este atuou na cultura burguesa - na modernidade - de maneiras críticas, subversivas, oposicionistas e se pergunta: “Será possível afirmar algo dessa natureza sobre o pós-modernismo e seu momento social?” (Jameson, 1990:43)

Em uma análise um pouco mais detalhada sobre a situação da arte contemporânea - mas em muitos pontos próximas à de Jameson -, Foster percebe como as ações dos anos 1960, à medida que se tornaram institucionalizadas, abriram o caminho para a tão falada dispersão dessa prática. Isso porque as, anteriormente, ações antiestéticas foram recuperadas pela repetição, e os espaços alternativos acabaram por institucionalizar-se. Isso leva a que formas de arte específicas conduzissem a arte à dispersão em geral. Uma dispersão que, em suas palavras, “se tornou a primeira condição do pluralismo” (1996:35). Aparentemente repetindo a análise de Bürger sobre as vanguardas, Foster chega à conclusão de que sim, as neovanguardas foram institucionalizadas e recuperadas. Mas, à diferença do primeiro, não vê nisso apenas o aspecto negativo da morte da vanguarda ou o fim de sua capacidade crítica. Ao contrário, tenta mapear uma nova realidade institucional e prática da arte para, a partir daí, encontrar as possibilidades de crítica remanescentes.

Mas a realidade que ele encontra, pelo menos falando da década de 1980, não é nada animadora. Para Foster, o alegado pluralismo da arte contemporânea (na década de 1980, ainda chamada também de arte pós-moderna) era índice de um mercado confiante na arte contemporânea como investimento. E, para este autor, a ideologia do pluralismo, a qual alega o fim de todas as ideologias e utopias, se coadunava perfeitamente com a ideologia do livre mercado em emergência no período de ampliação do neoliberalismo.

Ou seja, a noção de quebra da hierarquia dos estilos, festejada por alguns como conquista de liberdade da arte, para Foster acaba por levar a uma situação de equivalência (arte de várias espécies passam a parecer todas mais ou menos igual – igualmente (des)importantes). Desse modo, a ideologia pluralista concebe a arte como natural, o que também pode levar a que esta seja vista como livre de constrangimentos não-naturais (como a história e a política) (1996:43).

E retomando a ideia de morte da vanguarda, declarada por vários críticos para analisar esse período, Foster a critica como sendo uma sentença que não diz nada. Seguindo um caminho de análise baseado na Teoria Crítica, assim como Bürger e Jameson, Foster acredita que é preciso extrair alguma conclusão desse tipo de análise. E para ele, uma dessas conclusões é a de que a arte contemporânea aparece como “menos governada pelo conflito entre a academia e a vanguarda do que por um conluio de formas privilegiadas mediatizadas por formas públicas” (1996:44).

Desse modo, para ele, mais do que morte da vanguarda, o que acontece no período da arte contemporânea é uma apropriação neutralizante da atitude anti-moderna e da vanguarda. Segundo Foster, “as múltiplas posturas do pluralismo sugerem uma paralisia cultural, um status quo assegurado” que podem, inclusive, servir como biombo político e também como biombo econômico. E voltando à Adorno, diz que “agora (a arte) é uma indústria por sua própria conta, que é crucial para nossa economia consumista como um todo. Nesse tipo de Estado, a arte é raramente confrontadora e desse modo tende a ser absorvida como qualquer bem de consumo – como um dos maiores” (1996:45).

Até aqui, a análise de Foster não se diferencia muito da conclusão de Jameson em relação ao pastiche, que seria a característica artística do período pós-moderno. Estaria este autor rendendo-se ao fatalismo de diagnosticar situação sem solução final, à visão de um contexto fechado e reificado, à maneira da aporia da Teoria Crítica em que caíram desde Adorno, até Bürger, Jameson e outros? Porém, mesmo contaminado por um profundo pessimismo que parecia dominar numa época de neoliberalismo triunfante, mercado voraz e de alegada vitória do capitalismo sobre o socialismo que parecia deixar o mundo sem vias de escape, Foster é atento em sua análise às práticas artísticas. Essa atenção o leva a diferenciar dois tipos de pós-modernismos: um alinhado a uma política neo-conservadora (que seria o pós-modernismo do pastiche) e um outro relacionado à teoria pós-estruturalista (o qual teria uma dimensão crítica mais presente).

Apesar de chegar à conclusão de que, epistemologicamente, esses dois pós-modernismos não eram assim tão diferentes entre si, o fato de Foster encontrar diferenças entre os dois é importante por deixar no nível da prática artística a evidência de que se distinguem desde a opção pelo político em um e na opção pela política em outro. Até agora ainda não havíamos mencionado de maneira direta a tese de Chantal Mouffe2  sobre a diferença entre a política e o político.

De maneira similar ao que faz Rancière quando diferencia a política de a polícia, Mouffe define que a política é a dimensão da instituição, das práticas e normas sociais estabilizadas em instituições que organizam a vida social, lhe dão forma e sentido. O político, se refere a uma dimensão do conflito, o agonismo necessário e presente no interior do social (e, consequentemente, dessas instituições que o conformam). A prática artística para esta autora, então, se refere a que, por um lado, podem contribuir para uma configuração social hegemônica, reproduzindo sua forma e regras, sendo, nesse caso, política; como, por outro, podem inserir no centro dessa configuração social o ruído, o agonismo, o conflito, sendo, desse modo, portadoras do político.

Assim, apesar de que, em termos epistemológicos básicos, Foster acredite que esses dois pós-modernismos sejam historicamente o mesmo no fim das contas, há diferenças de práticas artísticas importantes que derivam desta diferença entre uma posição neoconservadora e outra pós-estruturalista. E essa diferença se encontra na presença do político na prática pós-estruturalista.

É importante ressaltar que Foster, influenciado pelos escritos sobre pós-modernidade do período, especialmente Jameson, situa a prática pós-estruturalista no nível da teoria. Jameson havia afirmado que a arte pós-moderna estava dividida entre o retorno ao belo (e ao pastiche), por um lado, e à teorização da arte, por outro, ambos como sintoma da decadência do sublime modernista. Essa dimensão teórica da prática pós-estruturalista é aparente quando esta trata a obra como texto. Fazendo uma análise que se parece muito com a que Bürger irá realizar quando fala da diferença entre obra orgânica e obra inorgânica, Foster relacionará a obra à transparência entre signo e significado que dá a esta a sensação de completude. Em suas palavras, a impressão é de que a obra é:
(...) um todo estético, simbólico, selado por uma origem (isto é, o autor) e um fim (isto é, uma realidade representada ou significado transcendente); e texto para sugerir uma a-estética, um espaço multidimensional no qual uma variedade de escritos, nenhum deles original, se misturam e se chocam. A diferença entre os dois reside por fim nisto: para a obra, o signo é uma unidade estável de significante e significado (com o referente assegurado ou, em abstração, colocado entre parênteses), enquanto o texto reflete sobre a dissolução contemporânea do signo e o jogo liberado dos significantes.” (1996:176)

Sendo a obra pós-modernista considerada como orgânica (usando as palavras de Bürger), ou seja, uma unidade simbólica com origem e final, o retorno pós-modernista neoconservador resulta num pastiche, uma instrumentalização de significados históricos, de estilos e imagens que são tomadas em seu caráter superficial, aparente, sem questionar a dimensão de representação destes, nem seu fundamento social e político. Já o pós-modernismo pós-estruturalista “realiza uma crítica da representação: questiona o conteúdo de verdade da representação visual e explora os regimes de significado e da ordem que esses diferentes códigos sustentam” (1996:176). Em termos estilísticos e políticos, a prática desconstrutiva adotada pelo pós-modernismo estruturalista se diferencia de forma evidente de uma outra prática de instrumentalização de estilos artísticos e/ou de suas disciplinas, assim como a crítica da representação é, nas palavras de Foster, inteiramente diferente de uma reciclagem do Pop – ou de imagens pseudo-históricas (1996:178).

Mas, como dito anteriormente, apesar de Foster abrir esse espaço (que por nós será posteriormente mais explorado) este autor, ao falar em uma condição pós-moderna mais ampla do período, deixa claro que está alinhado a outras leituras do momento sobre o mesmo. Desse modo, resume o que para ele seriam as chaves dessa condição pós-moderna: a erosão do status do sujeito e sua linguagem, da história e da representação. E mediando tudo isto, um mercado ampliado e inflado pelas vitórias do capitalismo frente às suas antigas “ameaças”, o que configura um cenário político de intolerância com o diferente, com as questões políticas suscitadas nas décadas anteriores e uma necessidade de retorno ao conservadorismo social para garantir a ampliação do neoliberalismo econômico.

É um momento complexo em que ao passo que emerge uma tendência neo-conservadora, as rupturas epistemológicas anteriores, especialmente as realizadas pelo pensamento pós-estruturalista (e refletidos na produção artística da neo-vanguarda) já não podem mais ser “desfeitas”. Sendo assim, parece emergir um movimento de apropriação cínica ou de instrumentalização das ideias desconstrutivas, do colapso do sujeito e da narrativa histórica. O pensamento pós-estruturalista, por sua vez, passa a ser criticado por não apresentar efetivas soluções políticas, parecendo encerrar-se em uma espécie de idealismo da diferença e da dispersão (a tese de Lyotard da banda libidinal, a ideia de sujeito esquizofrênico do capitalismo e do rizoma de Deleuze e Guatarri, a diferránce de Derrida). Neste momento, parece que tudo o que parecia possível anteriormente, se dissolve na incerteza e na impossibilidade. Desfeito o sujeito, o que colocar em seu lugar? Como representar uma identidade política? Desfeita a história, como narrar o social e representá-lo? O que restou da crítica pós-estruturalista no meio de um contexto pós-modernista de impureza textual, indefinição do sujeito, dos limites?

Esse contexto que parecia encher o ar de pessimismo no lado dos intelectuais e teóricos de esquerda, levou a algumas interpretações totalizantes sobre a situação da política, da economia e especialmente da cultura dentro desse cenário. A de Jameson, por exemplo, foi criticada por ser muito grandiosa, como, segundo Foster, considerasse o capital um grande ceifeiro que saiu arrancando tudo por onde passou. Além disso, o autor não parece levar em consideração uma diferença cultural e geográfica do capitalismo quando afirma sua tese principal de que a dimensão econômica e a cultural se imbricaram de maneira definitiva no pós-modernismo.

Desse modo, Jameson acaba por reproduzir, em seu pensamento, uma tendência economicista totalizante, que em alguma parte se parece com a tendência da Teoria Crítica (especialmente, do pensamento adorniano), em que esta domina completamente a esfera da cultura. Cria uma espécie de modelo em que diferentes momentos tecnológicos e econômicos do capitalismo são relacionados a paradigmas culturais (a exemplo da análise infra-estrutura versus superestrutura marxista). Essa análise o leva à conclusão de que no período do capitalismo financeiro, disperso e multinacional de fins do século XX, corresponde um paradigma do pastiche cultural, signo das fronteiras dispersas e dos espaços mistos que este engendra. Este paradigma, conforme alerta Crimp, está baseado em uma noção limitada de modernismo também. Sendo o pastiche (mímica sem crítica, uma paródia neutralizada), o paradigma cultural deste período, a ideia que se tem é que, então, não é possível existir outro tipo de ação crítica nesse momento cultural do signo esvaziado (tornado, ele mesmo, mercadoria).

A questão do signo tornado mercadoria e esvaziado, tornado impotente, aparece em outra tese bastante conhecida sobre o pós-modernismo: a da simulação, formulada por Jean Baudrillard. Este autor compartilha uma visão catastrófica e apocalíptica do mundo em um pretenso último estágio do capitalismo no qual não resta mais nada que simulação. O real, assim como a verdade, a história, o sujeito, foi liquidado. Para Baudrillard, o signo, transformado em valor e mercadoria, representa o fim de uma economia política, do referente, do real da política e do social. A televisão, como aparato de simulação que passa a integrar os fluxos de significação e informação com os das mercadorias, acaba por fazer escoar o real para fora da ordem das mercadorias e dos acontecimentos. E tudo é reduzido a imagens que referem-se a outras imagens.

Esta tese está claramente baseada no pensamento nietzschiano (em seu extremo idealista de que as estruturas do conhecimento conformam inteiramente o objeto) e, também, na teoria sobre a mídia McLuhann (segundo indica Andreas Huyssen3), de que esta alcançaria um estágio de alcance e conexão quase total. O resultado disso é a incapacidade de perceber outra possibilidade que não a da completa simulação, de uma sociedade conectada por imagens de imagens no interior da qual a crítica e a resistência se dão apenas pelo silêncio (visto que para este autor até as representações sociais também são simulacros). Dentro desse contexto, também a arte (como praticamente todo o resto) seria simulação, sem espaço nem possibilidade para uma representação crítica, visto que não há mais o que se representar que não o simulacro. Sendo o capital um sistema de significantes flutuantes, descolados de qualquer referente, como se produzir uma crítica a ele? Como se escapar dele?

A aporia em que se mete a teoria de Baudrillard, ao passo que parece seguir um caminho adorniano de impossibilidade, para alguns teóricos, como Huyssen, é mais uma teoria cínica e afirmativa do que crítica. Segundo Huyssen, esta teoria acaba por participar de forma afirmativa “na operação de um sistema que, meramente, simula o real para manter o status quo. Nesse caso, Baudrillard seria o defensor cínico do que está em questão, só porque é isso que está em questão” (1997:75). Ou seja, a sua teoria da simulação seria uma simulação mais a manter o estado das coisas.

Uma outra tese conhecida sobre o pós-modernismo é a do filósofo Jean-Françoise Lyotard. Conhecido por sua relação com o pós-estruturalismo, esse autor parece ser um dos nexos que esse pensamento francês da década de 1960/1970 possui como o que ficou conhecido como pós-modernismo e pós-modernidade. Segundo Hal Foster, uma das principais teses deste autor é a de que o pós-modernismo marcou o fim das grandes narrativas, as quais relacionavam a modernidade à ideia de progresso e a de história como um acontecimento linear e sucessivo. Essas grandes narrativas eram as noções de marcha da razão, o acúmulo de riqueza como valor último, o avanço da tecnologia como necessário e inevitável e, até, a ideia de emancipação dos trabalhadores. Essa tese, que se relaciona com todas as críticas pós-estruturalistas ao logocentrimo, à metafísica presente no pensamento ocidental, à ideia de sujeito, etc, também será, se não a responsável, uma grande influenciadora de alguns discursos apocalípticos de pós-modernidade como sendo uma espécie de “fim de tudo”.

A aparente dispersão a que leva o pós-estruturalismo, especialmente este elaborado pelos franceses nas décadas de 1960, é criticado como uma espécie de segundo idealismo. Segundo Peter Dews4 “a tentativa de Derrida de elaborar uma crítica do sujeito idêntico a si mesmo, que fuja de qualquer aspecto naturalista, resulta numa posição não mais plausível que a metafísica monista de Lyotard” (1996:64).

Essa dimensão idealista resulta, de um lado, em uma afirmação ontológica de uma pluralidade irredutível – pensamento Nietzschiano do conceito como redutor da multiplicidade e indiferença encontradas no natural – e, por outro lado, na eliminação de uma dimensão material (natural). Em Derrida, o sujeito é um ente inscrito num sistema de différance, uma espécie de texto ampliado em que a subjetividade, a objetividade, o objeto, o sujeito, todos estão em um jogo de identidade e não-identidade uns com os outros. Em Lyotard, por outro lado, a possibilidade de formação de uma identidade se torna impossível na ideia de banda libidinal, visto que tudo é um fluxo de sensações, de forças, de energias. A ideia de rizoma em Deleuze e Guatarri também destaca essa potência de multiplicidade em que o conceito, ou a identidade, constituem formas de fechamento violentas.

Supondo que estes diagnósticos de um possível fim de tudo, ou do pós-estruturalismo como sendo este mero idealismo desconstrutivo estejam corretos, obviamente restaria para a arte contemporânea não ser mais que um mero reprise de uma história falida e finada. E assim sendo, não poderia jamais novamente voltar a ser crítica ou a posicionar-se frente a um contexto político ou social, visto que, inclusive estes, parecem também findados ou fechados em uma pós-história na qual talvez nada mais acontece.

E essa ideia de fim das grandes narrativas, fim da utopia e até da ideologia afetaram bastante a produção artística dos anos 1990, a qual se viu atrapada entre a impossibilidade crítica e o cinismo. Algumas estratégias surgidas nesse momento, como a ideia de Estética Relacional, desenvolvida por Nicolas Bourriaud, se abrigavam no contexto localizado e imediato. A estética relacional pensava na arte como experiência de reconexão afetiva, emocional e imediata a qual se, por um lado, trazia à arte uma potência existencial e fenomenológica, por outro a encerrava em um espaço bastante localizado e pouco conflituoso que servia bastante bem ao mercado. Como vimos no tópico anterior sobre as instituições pós-modernas, essa ideia de arte como promotora de experiências sensoriais foi (e talvez ainda seja) um importante motor para a cada vez maior abrangência de uma noção de entretenimento no interior das instituições de arte.

Pensando desse modo, é quase óbvio que as críticas sobre a arte contemporânea que partam deste tipo de tese sobre a pós-modernidade, o pós-modernismo e a cultura nesse contexto sejam a de que esta não possui mais potencial crítico, ao menos não que valha a pena (ou que seja efetivo). Se só resta pastiche, repetição, simulação, por um lado, ou desconstrução, indeterminação e incapacidade de ação, por outro, parece quase evidente o diagnóstico de que está morta a possibilidade crítica, ou severamente prejudicada. O mundo dominado pelo mercado parece transformar tudo ou em neutralidade ou em cinismo.

Mas esse tipo de crítica possui em seu DNA, em sua estruturação teórica, uma ideia de revolução universal e generalizante que solapou a teoria crítica, tal como a formularam Horckheimer e Adorno, fazendo-a recolher-se a aporia de uma crítica sem saída. Apesar de referirem-se a um momento pós-moderno, período de fragmentação e pluralismo, parecem não conseguir sair de um esquema totalizante que persegue grande parte do pensamento social, especialmente o de esquerda. Enquanto a direita se aproveita do fragmento para transformá-lo em pastiche e, assim, potencializá-lo como provento financeiro, a esquerda se perde em diagnóstico fatalistas, totalizantes e, até, de certa maneira moralistas, que as deixam cegas para a análise crítica do fragmento, do disruptivo, do espelho quebrado.

A dimensão do fragmentário, já percebido em Benjamin e ampliado pelo pós-estruturalismo, se por um lado pode aparecer como problemático, por outro ainda é fundamental para entender como a arte pode seguir operando rupturas. Pensar a ação de vanguarda não como um projeto total, mas como um ato performático foi a diferença fundamental entre Bürguer e Foster, que fez este segundo seguir encontrando a crítica onde o outro via apenas assimilação. O fragmentário, aqui, tem a ver com a dimensão de uma prática individual que desconstrói por dentro, que não é mais uma tentativa de ruptura universal e total com a instituição-arte. A crítica ainda é possível na arte contemporânea, desde que haja uma performatividade artística, uma ação crítico-política em sua direção.

1A transvanguarda e o neo-expressionismo foram movimentos artísticos emergidos na década de 1980 que pregavam a volta à pintura contra as práticas desmaterializadas e plurais anteriores. Havia uma defesa ao pictórico contra uma espécie de tentativa de “assassinato” anterior. Esses movimentos articulavam questões históricas da arte de maneira livre e até aleatória e foram bastante importantes no processo de superaquecimento do mercado de arte do período. Muitos críticos consideram esses dois movimentos como pastiches, imitações sem sentido e objetivo de vanguardas artísticas e movimentos modernistas que acabaram servindo mais a um discurso conservador pós-modernista.
2MOUFFE, Chantal (2007). Prácticas Artísticas y Democracia Agonística. Barcelona, Museo Reina Sofia.
3HUYSSEN, Andreas (1997). Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ

4IN: ZIZEK, Slavoy. Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto.

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