terça-feira, 25 de outubro de 2016

Resumão 9º Congreso de Sociología - Dia 3


O Grupo de Trabalho de Sociologia da Arte no 9º Congreso Chileno de Sociología contou com uma diversidade de trabalhos concentrados nas áreas de música, artes visuais e literatura de países como Chile, Argentina, Brasil e México. A coordenação do GT ficou a cargo de Marisol Facuse (Prfª. Drª Universidad de Chile), Laura Lattanzi (Prfª. Drª Universidad de Chile), Tomás Peters (Profº Drº Universidad de Chile y Carolina Ibarra (Universidad Arcis).

Dia 3

No último dia do Congresso, as últimas mesas discutiram temas relacionados ao uso da cultura pela máquina política estatal, gestão cultural e políticas públicas e a relação entre identidade e produção cultural. Foram apresentados vários trabalhos interessantes, estando apenas um destoando do nível das discussões. Esse trabalho em particular apresentava dados estatísticos que demonstrava uma concentração de equipamentos culturais nos bairros de Providência e Santiago Centro, em Santiago, sem entrar em uma discussão mais aprofundada sobre qual relação era possível estabelecer entre produção cultural e presença de museus, salas de concerto, de teatro, etc. Os dados estatísticos, como vários pesquisadores sabem, não falam por si e nem sempre podem ser inferidos destes diagnósticos completos e/ou taxativos sobre determinada realidade. Além do mais, é preciso investigar e ter claro de que fontes estes dados provêm, para não incorrer em erros de análise básicos. Por exemplo, durante a apresentação, o autor desse trabalho afirma que há apenas dois estúdios de gravação de música no setor de Providência e que esta realidade poderia afetar a produção musical. O dado a que se refere este autor provavelmente é um dado oficial (ele era representante do Conselho Nacional de Cultura do Chile) que não condiz com a realidade de infinidades de estúdios particulares que existem pela cidade. A produção musical da cidade é profícua e ocorre, em grande parte, por fora de circuitos oficiais e documentados pelo Estado, para dar apenas um pequeno exemplo. O trabalho não apresentou relações mais complexas entre instituições e produção de cultura e em que medida a presença ou falta delas interfere nesse processo.

Passando aos trabalhos interessantes, me chamou atenção na primeira mesa a apresentação da antropóloga Carla Pinochet (Chile), especialmente pelo debate que gerou depois. O trabalho, intitulado Ciudad, Festival Y Democracia. Sobre El Papel De La Cultura En El Chile Contemporáneo, discutia a relação entre a instauração do processo democrático no Chile e a realizações de festivais populares. Estes eventos, de caráter massivo, dialogavam com uma espécie de reivindicação popular da celebração e da ocupação do espaço público após anos de ditadura, repressão e negação do público. Porém, afirma a autora, é preciso atentar para a dimensão instrumentalizante que esses eventos alcançaram a partir do momento que foram capitalizados por forças políticas do momento para gerar benefícios eleitorais. Ao mesmo tempo que havia a afirmação de uma dimensão democrática e cidadã na realização destes eventos (alguns dos festivais passaram a realizar serviços cidadãos como de retirada de documentos), por outro lado eram realizados por produtoras particulares e os artistas participantes, ao menos no período Lagos, eram escolhidos, em sua maioria, por sua simpatia com o movimento chamado “Nova Concertação”. Desse modo, Pinochet centra o interesse da sua pesquisa nessa relação paradoxal entre a reivindicação do coletivo, do democrático e do popular versus a organização vertical desses eventos e a instrumentalização dos mesmos por forças políticas que se estabeleciam no poder na época. Estes eventos de caráter massivo, segundo a autora, não geraram uma política cultural permanente (não haviam investimentos em estruturas culturais para além da realização destes festivais). A presença de produtoras privadas, diz ainda Pinochet, marca uma característica do estado neoliberal chileno em que o poder privado passa a adquirir o protagonismo na realização de políticas estatais (processo aprofundado ainda mais no governo de Piñera) e, nesse caso, será a iniciativa privada que protagonizará a realização destes eventos, como acontece até os dias atuais. Essa relação com produtoras privadas faz com que o foco passe a estar no número de público e não em um processo de formação destes. Segundo Pinochet, o conteúdo das ações culturais deste festival pode ser considerado “circense”, ou seja, espetacular e não geram uma participação. Para a autora, não existe um processo de formação de audiências e esses eventos não produzem nenhum impacto em níveis de violência dos locais onde ocorrem nem são permanentes no tempo. A autora situa esse tipo atuação política, apoiada na realização de grandes eventos, como Tecnologia da Felicidade no interior das políticas democráticas. O debate que esse trabalho gerou foi bastante interessante pois se centrou em algumas questões relativas ao público e às noções de “alta” e “baixa” cultura. Foi questionado a definição um pouco taxativa da autora sobre o conteúdo de algumas ações ser “circense” e isso significar uma relação com uma noção de baixa qualidade. Também se questionou uma ideia de passividade do público que poderia subentender de sua explicação. A autora considerou alguns dos comentários como importantes, mas justificou seu foco na relação entre políticas de estado populistas e a relação disso com a esfera privada e mercantil na produção de grandes eventos populares. Obviamente, é preciso tomar cuidado com certas definições de cultura do espetáculo e alienação para não reproduzir preconceitos culturais em relação à cultura popular e de massa. Na minha opinião, a autora realiza uma pesquisa bastante interessante e a atenção aos conteúdos culturais enfatizados é extremamente necessária e a análise dos mesmos, estando embasada em parâmetros mais analíticos e relacionados ao objetivo da pesquisa, será fundamental.

A segunda mesa se centrou na discussão sobre identidade, mestiçagem, afirmação cultural e processos de exotização na experiência e produção cultural. O primeiro trabalho apresentado, da autora Constanza Lobos (Chile), tratou das relações de integração cultural (mestiçagem) a partir da análise de práticas culturais de músicos imigrantes no Chile. A autora apresenta, a partir de três estudos de caso, diferentes estratégias adotadas pelos músicos imigrantes em sua trajetória no Chile. A partir da análise da trajetória destes grupos, como se formaram, de onde vieram, onde tocam, que repertório executam e como, em seus discursos, definem e representam suas práticas, a autora define três processos distintos: 1) assimilação cultural; 2) Transculturação; 3) Reafirmação da Identidade Cultural. No primeiro caso, o grupo abandona sua música tradicional para incorporar demandas do mercado chileno no seu repertório; no segundo, se trata de um grupo que adaptou elementos da música tradicional de sua cultura, misturando-os a outros elementos; no terceiro caso, o músico em questão faz uma constante afirmação de sua identidade, tocando apenas um repertório próprio que se relaciona com a música tradicional do seu país. A conclusão a que chega a autora é a de que há um processo ainda incipiente de mestiçagem, existindo uma forte afirmação identitária dos imigrantes e pouca noção de uma identidade transnacional. Segundo a autora, falta uma maior integração destas comunidades à cultura chilena e vice-versa, onde haja um real intercâmbio e enriquecimento cultural a partir destas influências diversas.

Na segunda apresentação da mesa, da autora Marisol Facuse (Chile), as noções de tradição e autenticidade que aparecem mencionadas na primeira apresentação, são melhor problematizadas. Apresentando o trabalho Identidades Nacionales, Autenticidad Y Exotización En Las Músicas Migrantes Latinoamericanas, Facuse centra o interesse de pesquisa nas transformações identitárias através de relações coletivas que impactam na prática musical. Facuse centra sua análise nos migrantes latino-americanos no Chile, evidenciando como relações de poder estão também incluídas na relação entre identidades culturais que compartilham o fundo comum da colonialidade. Nesse processo, segundo a autora, persistem a disputa pela autenticidade e processos de criação do exotismo que acabam por gerar valores e juízos no processo de transmissão das práticas culturais. Em sua investigação, Facuse identificou que processos relacionados a noções de autenticidade e originalidade podem gerar dificuldades e/ou resistências na transmissão de práticas ou na realização destas em outros ambientes urbanos e culturais. Porém, acredita que práticas como a musical possuem uma potência de gerar novas sociabilidades fundadas na integração e no reconhecimento mútuo, para contrapor-se à realidade atual de distanciamento, etnofilia (fascinação pelo outro), curiosidade e exotização, de um lado, e resistência de transmissão cultural através de uma afirmação de autenticidade, de outro. Em sua análise identifica que a realização dos carnavais, por exemplo, incorporou elementos festivos (musicais e dançantes) nos protestos de rua chilenos. Ou seja, a realização destas festas insere novos modos de ocupação do espaço urbano e diferentes práticas musicais associadas. Em resumo, para Facuse, apesar de ainda permeado por resistências , preconceitos e desigualdades, o processo de transculturação acontece e é possível observá-lo em práticas musicais, alimentares e de vestimenta que se modificam e são incorporadas. O interessante desta análise é propor uma observação da transculturação em seus detalhes, não tomando os processos de resistência nem os de aculturação como totais e/ou homogêneos. Nos exemplos relatados, a complexidade da noção de representação cultural (conceito de Lefevbre) tornava visível uma experiência migratória de representar o que já não está. A reencenação de festividades, a reprodução de práticas musicais, dançantes, alimentares, são essa constante reivindicação de uma originalidade que se perdeu no processo de migração, mas que se pretende recordar, representar. E no processo de contato entre estas distintas tentativas de manter o eu, do lado de quem imigra e do lado de quem recebe o imigrante, as porosidades são por onde as mudanças ocorrem.



Nenhum comentário:

Postar um comentário